O QUE É IMPORTANTE SABER SOBRE CONSANGUINIDADE E RENTABILIDA

Introdução
O conceito de consanguinidade em vacas leiteiras vem sendo debatido há anos. Diversos produtores ainda possuem dúvidas sobre qual seria o nível de consanguinidade aceitável em suas fazendas, que lhes permite continuar progredindo geneticamente, mas sem causar quedas em produção, fertilidade e características de saúde dos animais. Normalmente, o aumento da consanguinidade é considerado algo negativo e que deve ser evitado. Em um artigo científico recentemente publicado na revista Journal of Dairy Science, os autores afirmaram que “é importante considerar que, a consanguinidade por si só, não é boa nem ruim. Na seleção para o melhoramento de uma determinada característica (na maioria dos casos, estamos interessados no aumento de produção de uma característica produtiva), o acúmulo de homozigose em variáveis favoráveis é o objetivo primário” (Maltecca et al. 2020). A consanguinidade por si só não é um fator que deveria determinar as decisões de seleção. Precisamos entender como a endogamia afeta a lucratividade de um indivíduo ou as decisões de seleção, por isso nosso foco ao longo do texto será o progresso genético e a lucratividade.


“É importante entender que, por si só, a consanguinidade não é boa e nem ruim”


O que é consanguinidade genômica?
A consanguinidade genômica (gIB) pode ser identificada em todos os animais com uma avaliação americana e que foram genomicamente testados (Figura 1A). gIB é a porcentagem relativa de alelos homozigotos que um indivíduo possui em seu DNA. Se o número for positivo, isso significa que o animal tem uma porcentagem maior dos mesmos alelos em um mesmo local quando comparado a população base. A porcentagem de homozigose indica a proporção do genoma que possui a mesma variante. Se cada local tem duas variantes, B ou b, uma combinação homozigota seria bb ou BB. Já a combinação heterozigota seria Bb (Figura 2). A consanguinidade genômica tem uma acurácia maior do que a consanguinidade por pedigree, pois a partir dela conseguimos saber exatamente quais alelos de cada um dos pais foram transmitidos e em que locais a homozigose realmente ocorre.


A figura 1 mostra a prova do touro Norton. A figura 1A mostra que seu gIB é 14,7%. A figura 1B mostra que a gEFI é igual a 10,9%. A figura 1C mostra que o EFI do touro é 8,6%.
gIB: Consanguinidade genômica
gEFI: Consanguinidade genômica futura esperada
EFI: Consanguinidade Futura Esperada


A figura 3 mostra o resultado do acasalamento de uma vaca com quatro irmãos diferente, Delta, Denver, Drama e Dion, para demonstrar as diferenças entre as consanguinidades genômica e por pedigree. A consanguinidade por pedigree da progênie gerada pelo acasalamento da mesma vaca com cada um dos quatro irmãos é de 11.5%. A consanguinidade por pedigree é igual para a progênie de todos os quatro irmãos, porque ela calcula a relação de pedigree do touro e da vaca com base em um ancestral comum. Como cada um dos touros tem a mesma informação de parentesco, eles possuem a mesma relação de pedigree com a fêmea do exemplo. Já a consanguinidade genômica da progênie de cada um dos touros é bem diferente. Espera-se que a progênie do touro Delta tenha uma consanguinidade genômica 7% maior do que a progênie do touro Drama. Cada touro deste exemplo não herdou os mesmos genes de seus pais, assim, cada touro tem uma relação genômica diferente com esta fêmea ou uma consanguinidade genômica diferente na progênie esperada. A representação mais precisa da consanguinidade é a consanguinidade genômica, porque ela utiliza a informação de marcadores SNP para calcular a proporção do genoma que é homozigota.

A Figura 3 mostra os resultados de consanguinidade por pedigree e genômica do acasalamento de uma vaca com quatro irmãos: Delta, Denver, Drama e Dion. A consanguinidade por pedigree da progênie gerada pelo acasalamento da mesma vaca com os quatro irmãos é 11.5%. A consanguinidade genômica da progênie de cada um dos touros é diferente entre si. Espera-se que a progênie do touro Delta tenha 7% a mais de consanguinidade genômica do que a progênie do touro Drama.


O que é consanguinidade futura esperada?
Consanguinidade Futura Esperada (EFI) é a estimativa do grau de consanguinidade futura da progênie de um animal, se ela fosse acasalada com a população de animais em geral. A população base utilizada pelo CDCB é formada pelas fêmeas nascidas nos últimos quatro anos e que possuem informação de pedigree. EFI é mostrado nas provas americanas e é baseado na relação média de pedigree do indivíduo com a população base (Figura 1C). gEFI também pode ser encontrado nas provas americanas e é baseado na relação que o indivíduo compartilha com a população base genomicamente testada (Figura 1B).


Qual medida de consanguinidade afeta as predições de valores genéticos (PTAs)?
Desde 2008, os EUA têm ajustado as avaliações para EFI. Duane Norman apresentou durante a “May 2020 CDCB Connections” os atuais efeitos do grau de consanguinidade futura esperada de um animal. A USDA estima o valor econômica da depressão endogâmica associada a cada 1% de consanguinidade de um animal para cada característica econômica, mostrado na figura 4. Por exemplo, para cada 1% de consanguinidade que um animal possui, seu mérito líquido (NM$) diminui em cerca de $25. De forma similar, a produção de leite reduz cerca de 63,9 libras a cada 1% de consanguinidade que o animal possui. A figura 5 mostra um exemplo de como a depressão endogâmica afeta a avaliação de NM$ de 4 touros. Cada um deles possui o mesmo mérito líquido bruto (NM$ 1000). Cada uma das filhas destes touros tem a mesma performance, porém, cada touro tem um valor de EFI diferente, variando de 7 a 10%. A última coluna mostra o EFI ajustado e o NM$ ajustado publicado na prova dos touros. A diferença de lucratividade gerada durante a vida das filhas do touro 1 para as filhas do touro 4 é de $75. O NM$ ajustado é determinado pela subtração do EFI multiplicado por $25 (depressão endogâmica para cada 1% de NM$) do valor de NM$ não ajustado.


A figura 5 mostra um exemplo de como a depressão endogâmica afeta a avaliação de NM$ de quatro touros. Cada um dos touros possui o mesmo valor de NM$ não ajustado de 1000 NM$. A performance das filhas dos touros é idêntica, porém, cada touro possui um valor de EFI diferente, que varia de 7 a 10%. A última coluna mostra os valores ajustados de EFI ajustado e o NM$, que é publicado na prova do touro. A diferença na lucratividade durante a vida das filhas do touro 1 para as filhas do touro 4 é de $75. O NM$ ajustado é calculado a partir da subtração do EFI multiplicado por $25 (depressão endogâmica para cada 1% de NM$) do valor de NM$ não ajustado.

A consanguinidade genômica afeta a performance ou a rentabilidade. EFI estima qual seria o nível de consanguinidade da progênie de um indivíduo se ela fosse acasalada com a população geral. gIB indica a consanguinidade real de um indivíduo a partir dos genes advindos de seus pais.


Houve aumento da consanguinidade devido aos testes genômicos?
Inicialmente, os testes genômicos forneceram a indústria de leite a capacidade de avaliar o potencial genético de um grupo maior de animais com mais acurácia do que a avaliação anterior baseada na média dos pais. Essa possibilidade poderia ter levado ao uso de uma maior variedade de animais para a formação da próxima geração de pais; porém, os produtores também são propensos a utilizarem as PTAs das avaliações genômicas, que possuem elevado nível de acurácia, para escolher o touro ou a vaca de maior valor genético, visando a geração de fêmeas de reposição. Isso reduz o pool genético a poucos animais selecionados. Ainda, a testagem genômica reduziu o período de tempo necessário para determinar o valor genético de um animal.


Isso significa que é possível descobrir o alto valor genético de um animal ainda jovem, antes de sua idade reprodutiva, permitindo que ele seja usado como pai da próxima geração. Isso reduz o intervalo de geração ou a idade média que um animal terá no momento do nascimento de seu substituto. O CDCB relata que desde a introdução da testagem genômica, o intervalo de geração dos pais dos touros caiu de 7 para 2,5 anos e para as mães dos touros de 4 para 2,5 anos. Durante esse mesmo período, a consanguinidade das vacas holandesas subiu de 5,66% em 2010 para 8,49% em 2020 e 6,84% em 2010 para 8,74% em 2020 em vacas da raça Jersey. É importante notar que a consanguinidade nos animais leiteiros não aumentou devido aos testes genômicos, mas seu aumento ocorreu devido as estratégias de seleção utilizadas para a formação de pais das próximas gerações. A queda do intervalo de geração e o aumento da intensidade de seleção aceleram o aumento da consanguinidade, que ocorre em todas as gerações.

Tradução figuras:
Figura 6.
Tendência de consanguinidade para vacas da raça Holandesa
Eixo Y: Coeficiente de Consanguinidade de vacas (%)
Eixo X: Ano de Nascimento
Curva rosa: Coeficiente de Consanguinidade das Vacas
Curva azul; Consanguinidade Futura Esperada
Figura 6 mostra as tendências de consanguinidade e Consanguinidade Futura Esperada para vacas holandesas desde 1960.

Figura 7.
Tendência de consanguinidade para vacas da raça Jersey
Figura 7 mostra as tendências de consanguinidade (IB) e a Consanguinidade Futura Esperada para vacas da raça Jersey desde 1960.

Os pesquisadores estão trabalhando para identificar alelos recessivos letais ou negativos. Atualmente estamos aptos a identificar 16 dos alelos recessivos negativos através das avaliações genômicas (Cole et al, 2018). Precisamos continuar identificando regiões do genoma que são impactadas negativamente pelo aumento da homozigose relacionada a consanguinidade, assim como regiões que são impactadas positivamente pelo aumento da endogamia.


Como a consanguinidade é contabilizada dentro do Chromosomal Mating?
O objetivo do Chromosomal Mating não é reduzir a consanguinidade. O Chromosomal Mating seleciona os melhores pares de acasalamento que podem levar a uma maior rentabilidade, considerando a depressão endogâmica gerada pela consanguinidade (IB ou gIB) da progênie desejada. A fórmula estabelecida que determina o valor econômico da progênie originada por um acasalamento é o ganho genético menos a depressão endogâmica. A equação que a ST Genetics utiliza em seu programa Chromosomal Mating calcula o Valor de Produção Preditivo (PPV), que indica como será a performance do animal dentro do rebanho (Sun et. al, 2013). O primeiro passo da fórmula remove a penalidade por EFI dos valores de PTA da mãe e do pai. O segundo passado determina a relação real de cada par acasalado de acordo com a CDCB. Essa relação pode ser usada pra predizer o nível de consanguinidade da progênie. No terceiro passo, a fórmula penaliza a consanguinidade da progênie ao multiplicar a depressão endogâmica da característica selecionada a ser melhorada pela consanguinidade da progênie. Maximizar o PPV no Chromosomal Mating não limita a consanguinidade, mas reduz a endogamia dentro da progênie quando comparado a otimização única das PTAs em um programa de acasalamento. Para mais informações sobre PPV, leia o artigo Valor Preditivo de Produção (PPV): O que é e por que é importante?


Um alto gIB indica um animal de menor performance ou menos rentável?
Não, lembre-se que gIB é uma porcentagem de alelos homozigotos que um indivíduo possui em seu DNA. Mais homozigose significa menor diversidade genética, não necessariamente menor valor genético. Como dito na introdução, um artigo recente da revista Journal of Dairy Science afirmou, “É importante notar que, a consanguinidade por si só, não é boa nem ruim. Ao selecionar para a melhora de uma determinada característica (na maioria dos casos estamos interessados em aumentar a produção de uma característica produtiva), a acumulação de homozigose em variantes favoráveis é o objetivo primário” (Maltecca et al, 2020). A consanguinidade genômica não é suficiente para determinar o valor produtivo de um animal. Primeiro precisamos olhar para o seu valor genético e então ajustá-lo a depressão endogâmica. Duane Norman escreveu durante a “May 2020 CDCB Connection”, “A consanguinidade impacta negativamente a maior parte das características individuais de performance. Ganhos genéticos que resultam de uma seleção intensa podem superar quaisquer perdas ocasionadas pela depressão endogâmica”. A figura 8 mostra um exemplo de acasalamento com o Chromosomal Mating de uma fêmea com dois touros diferentes, Captain e Sully. Espera-se que o valor de consanguinidade da progênie do touro Captain seja 1% maior, porém também é esperado que ela produza $317 a mais ao longo de sua vida do que a progênie do touro Sully. Isso reforça que a genética aditiva e a depressão endogâmica devem ser consideradas durante a determinação do valor genético e que pode haver um custo de oportunidade com a redução da consanguinidade ao invés da promoção do aumento de ganho genético.

Existe um coeficiente de consanguinidade que não deve ser ultrapassado dentro do meu rebanho?
Historicamente os produtores de leite foram encorajados a minimizar o aumento da consanguinidade em seu rebanho ou simplesmente não ultrapassar um determinado nível médio de consanguinidade. Antes dos testes genômicos, o aumento da homozigose em um indivíduo ou o aumento da consanguinidade poderiam resultar na expressão de haplótipos negativos. Por exemplo, antes do descobrimento do haplótipo da Deficiência de Colesterol da raça Holandesa havia um risco maior de acasalar animais aparentados, em que ambos poderiam carrear o haplótipo HCD consigo, resultando em um bezerro com a deficiência de colesterol, que é letal. A testagem genômica permitiu a identificação de indivíduos com haplótipos negativos e agora os produtores de leite conseguem evitar o acasalamento de carreadores através do Chromosomal Mating. Neste momento não existe um limite conhecido de consanguinidade que pode resultar em perdas drásticas; dessa forma, a melhor estratégia para manejar a endogamia dentro de um rebanho é evitando o acasalamento de animais carreadores do mesmo haplótipo negativo e utilizando a consanguinidade a fim de maximizar a performance do reb